quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Pessoas Normais Matam os filhos

Vou aproveitar este período de falta de notícias novas sobre o caso, enquanto os andamentos processuais de praxe estão se realizando, para repostar aqui uma matéria que postamos no blog sobre o caso Isabella Nardoni (http://casoisabellaoliveiranardoni.blogspot.com). 

Me lembrei desta matéria porque muitos dos comentários falam sobre a indignação das pessoas diante tamanha brutalidade cometida pelo próprio pai. No texto em questão, psicólogos tentam explicar o porquê disto.

Quero apenas ressaltar que o adjetivo "normais" diz respeito a imputáveis, uma vez que os loucos, insanos, portadores de retardo ou deficiência mental são inimputáveis.

Segue:


"Crimes com essa carga de violência são tão chocantes que muitas pessoas tendem a achar que não podem ter sido cometidos por pessoas que consideramos racionais", diz o psiquiatra Maurício Garrote.


Com 25 anos de profissão, Maurício Garrote dedicou a maior parte de sua carreira ao tratamento de crianças e adolescentes que são vítimas de violência em famílias pobres da periferia de São Paulo e cidades vizinhas. Hoje monta um serviço preventivo em cidades do Vale do Ribeira, uma das regiões mais pobres do Estado.

"A verdade é que a quase totalidade dos crimes domésticos não tem nenhuma relação com qualquer doença mental conhecida," diz ele.

Entrevistado com a condição de não fazer análises específicas sobre o pai e a madrasta de Isabella, "pois nenhum profissional pode ter uma opinião formada sem um contato direto e prolongado com cada pessoa," Maurício Garrote acha possível fazer uma distinção entre indivíduos que, mesmo em condição mental diferente, são capazes de cometer crimes iguais.

Admite-se que psicóticos sejam capazes de cometer homicídios, ainda que os casos sejam raros. Ele próprio chegou a atender uma senhora de formação muito religiosa que, vítima daquele trauma conhecido como "depressão pós-parto", convenceu-se que o demônio havia se apoderado da própria filha – e decidiu matá-la para proteger a família.

Outro caso envolve um casal que responde a processo pela morte de um filho recém-nascido. A investigação policial acusa o pai de ter esmagado a cabeça da criança contra a parede. A família alega que ela caiu do beliche.

Para Maurício Garrote, uma distinção importante envolve o comportamento depois do crime. Uma mãe convencida de que sua filha foi possuída pelo demônio não esconde o que fez. "Sente até orgulho disso," recorda. Já o casal acusado de matar o próprio filho teve outra reação: conta uma história que, mesmo sem fazer nexo do ponto de vista da polícia, trai a vontade de esconder suas responsabilidades e escapar de uma condenação. Isso sempre acontece nessas situações.

Em 1997, a delegada Elizabeth Saito investigou um crime que não esquece até hoje: a morte de um bebê degolado dentro de casa por um sobrinho. Até o final, o rapaz tentou convencer a polícia de que o culpado era um assaltante, que ninguém viu entrar nem sair de casa. Depois, confessou. "Um psicótico dificilmente terá um comportamento organizado para tentar sair de uma situação como esta," diz Maurício Garrote.

Já um criminoso comum procura se defender. Após o crime fica preocupado em construir álibis, apagar pistas e dificultar o trabalho de investigação da polícia – e muitas vezes é bem-sucedido. Outras vezes, não.

Embora a violência doméstica tenha números assustadores, envolve uma realidade muito difícil de ser apurada por métodos tradicionais. Os crimes estão ligados a adultos que, muitas vezes, preferem manter um pacto de cumplicidade para se proteger e manter a convivência conjugal.

Raramente batem às portas da polícia para fazer uma denúncia contra o parceiro. Não há testemunhas isentas. Mesmo vizinhos, que podem fazer relatos com alguma proximidade, preferem não se envolver. Os casos de estupros regulares e constantes costumam envolver pais e filhas biológicas e raramente são denunciados pela mãe.
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Em mais de duas décadas às voltas com pacientes, vitimas e cidadãos, Maurício Garrote está convencido de que a maioria das crianças não é alvo de crimes pré-meditados, mas de acidentes ocorridos dentro de casa, quando adultos perdem o controle sobre a própria agressividade.

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