JOANNA CARDOSO MARCENAL MARINS
Em seu último aniversário,de joanninha ,à espera dos amiguinhos na sua última festa de sua curta vida
Texto de ALDIR BLANC, companheiro de dor, Choro para bandolim, a quem peço perdão pela ousadia de adaptá-lo para homenagear minha tão amada filha.
Choro Pra Joanna
Tenho uma filha enterrada em Mesquita,
enterrada junto com milhares de olhares meus
que, sobre sua agonia, suplicavam que vivesse,
enterrada junto com outros meros números
nas estatísticas falsificadas
de nossa mortalidade infantil.
Tenho um futuro enterrado lá,um deles,
enterrado junto com os passeios de mãos dadas
e uma bicicleta rosa
que não encostamos na relva suja
de nossas praças miseráveis.
Filha,enquanto apodreces,
minha carne se retesa de amor
pelas meninas brasileiras.
Estou pra sempre livre da necrofilia
porque fui abençoado por um instante
de luz em teus olhos escuros,
por um filete de sangue
de tuas narinas pequenas,
pela tua agonia sem metáforas
que me transformou nessa rebelde,
nessa inconformada,
nesse ser agora diferente de você
visceralmente diferente de você
ansiosamente diferente de você
mortalmente diferente de você.
Às vezes, julgo te reconhecer
na igreja, de joanninha na arca de Noé,
numa peça de princesas, com sobrancelhas pintadas de lápis,
em casa a espera dos gorros feitos para serem usados na copa
de 2010 quando já não podias mais me ver porque te proibiram
o direito a ver tua mãe viva,
pequena correndo atrás de animaizinhos,
criança, de pés descalços e mão cheinha de balas
Às vezes, penso que ficaste soterrada
nos escombros de um barraco
durante a chuvarada,
ainda na casa de teu pai
ou que estavas entre as crianças
no circo que pegou fogo,
na epidemia fatal de poliomielite, de burocratite,
na bala perdida,
no trem descarrilado,
no avião perdido por aí,
no bueiro aberto ou no escapamento de gás,
no fio de alta-tensão desencapado
ou na AMIU onde permaneceste por quase um mês inteiro.
Mas não. Estás enterrada em Mesquita,
ancorada na sepultura
e és terra, pó, lixo, talvez uma pequena flor amarela
que ninguém sabe o nome.
Dorme, filhinha, teu desperto sono
de coisa em transformação
que, no coração do Rio de Janeiro,
eu, tua mãe e péssima poeta,
velo ainda por tua lembrança
no momento derradeiro
até o interminável abraço que seremos
um dia: eternamente vivas ao lado do Pai.
TUA SEMPRE MÃE: CRISTIANE