quarta-feira, 8 de junho de 2011

Decisão do Dr. Murilo Kieling

PROCESSO CRIMINAL ONDE ANDRÉ MARINS E VANESSA MAIA SÃO RÉUS.




Processo nº:
0336128-89.2010.8.19.0001
Tipo do Movimento:
Decisão
Descrição:
D E C I S Ã O Vistos, examinados etc. Ao promover o exame do judicium acusationis, o ilustrado magistrado vinculado em razão da condução dos atos instrutórios promove decisão interlocutória mista não terminativa (fls. 952/971) de natureza desclassificatória: ´mister que se proceda à desclassificação do crime doloso contra a vida, na medida em que, em tese, o resultado morte descrito na denúncia deve ser imputado e passível de punição como qualificador da tortura´. O decisum, a propósito, acata proposição do Ministério Público quando do depósito de suas alegações escritas (fls. 834/848): ´Sobejamente demonstradas à autoria e materialidade do crime de tortura com resultado morte, entendendo o Ministério Público não haver indícios suficientes da existência de crime doloso contra a vida praticado pelos réus, seria a hipótese de se operar a desclassificação (artigo 419) para o crime disposto no artigo 1º, II, § 3º, segunda parte c/c § 4º, II da Lei nº 9.455/97´. Intimado da decisão, o Ministério Público apresenta recurso em sentido estrito combatendo, exclusivamente, a revogação da prisão preventiva do acusado ANDRÉ RODRIGUES MARINS. A Defesa Técnica dos acusados, cientificada da decisão, limita-se a expressar-lhe o conhecimento, transcorrendo, in albis, eventual impugnação recursal. A assistência da acusação, por sua vez, apesar da ausência de sucumbência acusatória do órgão oficial e titular do direito de ação responsável pela acusação em Juízo, apresenta recurso em sentido estrito objetivando a reforma da decisão. Eis a presente situação do processo. Apesar da ausência da afirmativa condição de hipossuficiência econômica, o atuar processual da assistente decorre de vênia Ministerial e acolhimento judicial. Não há dúvida que a evolução histórica da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, sagrada instituição, desde o Decreto instituidor da Assistência Judiciária no Distrito Federal, então cidade do Rio de Janeiro, em 05 de maio de 1897, até os dias atuais sempre esteve lhe outorgando o pioneirismo, a vanguarda e os ideais do Estado Democrático. No entanto, em qualquer momento de sua existência descurou-se de sua missão fundamental: atender aos necessitados da assistência judiciária. Vem a talho os dizeres da Lei Complementar nº 132, de 2009, logo em seu artigo inaugural: ´A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal´. O texto constitucional, por sua vez, é explícito ao amoldar o direito fundamental: ´O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos´. No mesmo traço já dispunha a Lei Complementar Estadual nº 06, de 12 de maio de 1977: ´À Defensoria Pública, como instituição, incumbe a postulação e a defesa, em todas as instâncias, dos direitos dos juridicamente necessitados´. Ao longo do tempo é que se buscou a definição do conceito de ´juridicamente necessitado´. Ainda que não exista uma fórmula ou expressão numérica, juridicamente necessitado é quem não pode prover as despesas do processo e a contratação de advogado sem desfalcar o necessário a sua mantença e de sua família. Daí exigir-se a afirmação para o exercício do direito constitucional de estar assegurado pela Assistência Judiciária, especialmente neste país de milhões de cidadãos carentes, incultos e desprotegidos. Nada impede o órgão da Defensoria Pública esteja em Juízo suprindo a capacidade postulatória para o funcionamento de assistência da acusação. A matéria, a propósito, aflora de uníssona afirmativa jurisprudencial e das construções pretorianas. A questão é que para tal mister, há de se exigir do cidadão interessado o status da miserabilidade jurídica devidamente afirmado e comprovado, na hipótese de dúvida. A temática, ao menos presentemente, não exige melhor esclarecimento ou satisfação dos requisitos para a legitimação do atuar, especialmente sob o ângulo da capacidade postulatória do ilustradíssimo Defensor Público no caso concreto, mas sim do juízo de admissibilidade do recurso. A possibilidade de recurso pela assistência da acusação é induvidosa, inquestionável. Há preceito legal expresso no Código de Processo Penal. No entanto, a par da legitimidade, há de se atender o segundo pressuposto recursal subjetivo - o interesse. O interesse, que na linguagem processual recursal deve ser concebido como o reflexo da sucumbência, deve estar presente. O titular do exercício do direito de ação penal pública, além de anuir, expressamente, com a decisão, interpõe recurso apenas em relação à revogação do decreto prisional. Assim, não há que se falar em sucumbência. A substância remanescente da acusação não frustra, de plano, o juízo de reprovação, visualizado, ainda que em abstrato pela resposta do Estado-Juiz diante do injusto praticado e até mesmo para a consolidação de título executivo judicial, fazendo certo o dever de indenizar. O direito de punir, privativo monopólio do Estado Administração não sofre qualquer mácula com a decisão desclassificatória que, por sua natureza, apenas define a competência do órgão julgador. Note-se, a propósito, que não há modificação do cenário fático submetido ao Estado-Juiz, mas sim a visualização de classificação jurídica de infração que escapa da competência do Tribunal do Júri. Não bastasse, o Ministério Público, na parte em que sucumbe, oferta o recurso próprio. Sob tais fundamentos, não recebo o recurso interposto pela assistência da acusação. Intimem-se. Certifique a Serventia quanto à inexistência de recurso voluntário pela Defesa, voltando-me conclusos. Rio de Janeiro, 03 de junho de 2011. MURILO KIELING Juiz de Direito

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